segunda-feira, 26 de julho de 2010

Livros, Filmes e Cigarro

Machado de Assis, William "D-Fens" Foster e Michel Foucault
Oprimidos pela realidade, resolveram agir

Recebi uma notícia muito interessante de um amigo esses dias. Ele sugeriu que ela fosse postada aqui no blog. O que foi mais do que aceito! Além da participação que pedi no último post o assunto tem muito do que ando estudando no meu curso sobre controle social na obra de Foucault. Vamos à notícia:

17/07/2010 09h00 - Atualizado em 17/07/2010 13h32
Músico preso por plantar maconha teme que caso se repita
Pedro Caetano ficou 14 dias preso como traficante de drogas.

Neurocientistas fizeram carta em apoio ao baixista.
Marília Juste Do G1, em São Paulo

O músico carioca Pedro Caetano, o “Pedrada”, vê os 14 dias em que esteve preso acusado de tráfico de drogas por plantar maconha em sua casa como uma “lição de vida” e diz que seu maior temor é que isso aconteça com outra pessoa. Caetano foi liberado após a promotoria trocar a acusação de tráfico pela de posse de substâncias ilícitas.


“Ainda há confusão sobre quem é usuário e quem é traficante. Não sou traficante. Plantava para o meu consumo, para não dar poder aos traficantes. O que aconteceu comigo não pode acontecer com mais ninguém”, disse ele em entrevista ao G1.

Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, foi
preso em sua casa em Niterói em 1º de julho após uma denúncia anônima ter levado a polícia a sua casa. “Não sei quem foi. Deve ter sido alguém da vizinhança, que se incomodou. Dava para ver a plantação do quintal, alguém pode ter visto do alto, não sei”, afirma.

Nos 14 dias em que esteve preso, Caetano recebeu o apoio de amigos e fãs, até que uma nova promotora do caso retirou a acusação de tráfico e reapresentou seu caso, o acusando apenas de posse de substância ilícita. Na quarta (14), ele foi liberado após autorização de um juiz.

“Sigo a religião e a filosofia do rastafári. Não sou bandido. Sou um cara trabalhador, que tem a vida resolvida. Sustento minha família com meu trabalho”, afirma. Ele conta que plantava a droga há cinco anos para “não sustentar o tráfico e não correr riscos de saúde”.

Sobre a
carta que quatro neurocientistas fizeram para defender a sua libertação, ele se diz agradecido. “Teve um impacto grande. A gente precisa disso, de pessoas renomadas e inteligentes se posicionando. É um assunto importante, o que aconteceu comigo pode acontecer de novo”, afirma.

Caetano defende a descriminalização do uso recreativo da maconha. “Passei 14 dias lá sem fumar e não sofri nada. Não sou viciado. Estou sem fumar até agora, sem problemas”, conta.

Cabeça raspada
Ao chegar na delegacia, em São Gonçalo, teve que aguardar o fim do jogo entre Brasil e Holanda, na manhã do dia seguinte, 2 de julho, para ser processado na carceragem.

“Foi o momento mais difícil. Cheguei ali, tinha 18 presos na cela, um monte de gente, uma coisa suja, meio assustadora. Eu não sabia o que ia acontecer e tinha que esperar o jogo acabar para eles virem falar comigo”, conta.

Antes de ser enviado a sua cela, Caetano teve que raspar os longos cabelos com “dreadlocks” e a barba, que cultivava há mais de três anos. “Era uma questão de higiene. Tem muita gente ali, eles precisam manter o controle. Eu compreendi. Fiquei chateado, mas era uma coisa que precisava ser feita. Entendo o motivo”, afirma.

De São Gonçalo, o baixista foi levado à Polinter do Grajaú, onde ficou os 13 dias seguintes, em uma cela com outros dois presos.“Dei sorte. A cadeia tem divisões, como a sociedade. Tem as celas pro povão, onde tem 70 pessoas num espaço de 40 metros quadrados. Daí tem as celas pro povão ‘especial’, com menos gente. E as celas pra universitário e quem tem dinheiro, em que o cara fica sozinho. Eu fiquei na intermediária, eu e mais dois em uma cela de uns nove metros quadrados.”

Caetano era o único preso por envolvimento com maconha. Seus companheiros de cela eram um acusado de assassinato e um acusado de pedofilia. “O acusado de assassinato era culpado mesmo, ele matou a mulher. O outro foi acusado injustamente. Eu vi a índole dele, não era uma má pessoa”, conta.

Apesar de avaliar a experiência como “horrível”, Caetano diz que conheceu muita “gente de bem” na Polinter. “Não sofri violência nenhuma. Os policiais me trataram com muito respeito. Os presos também. A igreja evangélica faz um trabalho importante lá dentro, é muito presente, leva conforto e deixa a experiência toda menos dolorida”, avalia.Um dos policiais da Polinter que conheceu Caetano enquanto o músico esteve preso afirmou que seu comportamento era "normal" e que não houve problemas durante o período em que ele esteve na carceragem.

Volta à rotina
De volta a sua casa, Caetano diz que vive “um momento de reflexão”. Ele conta que não vai retomar a plantação no quintal. “Estou vivendo um período de jejum. O jejum também faz parte da nossa filosofia. Agora vou dar um tempo e me concentrar no meu trabalho.”Com seu baixista de volta, a banda Ponto de Equilíbrio deve sair em turnê no segundo semestre. “Nosso novo CD se chama ‘Dia após dia lutando’. Tem tudo a ver com esse meu momento. Vamos seguir na luta”, diz Caetano.

“A cadeia é um aperto muito grande. Nasci de novo ao sair. Aprendi a dar mais valor para tudo, espiritualmente, materialmente. Agora agradeço por cada almoço que eu tenho e cada centavo que ganho. Só espero que ninguém mais tenha que passar pelo que eu passei.”


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Gostaria de entender porque as diferenças incomodam tanto as pessoas. Sinceramente, não consigo perceber qual o problema de uma pessoa plantar e consumir sua erva em casa. Na matéria, o baixista bem articulado argumenta que começou a plantar “para não dar poder aos traficantes”. Isso me parece uma coisa bastante racional.

Acho que as drogas deveriam ser tratadas como um problema de saúde. É mais um resultado das diferenças sociais absurdas que temos. O argumento usado para o combate é sempre as conseqüências de se estar fora de si, mas vamos à realidade. O camarada que enche a cara também não pode cometer atrocidades? Quem trabalha e já viu alguma vez o filme “Um Dia Fúria”, não inveja a atitude do personagem? Então, ser subjugado incessantemente não poderia também desencadear uma série de atrocidades? A violência deste caso não se trata de estar fora de si, mas de uma questão de respeito. Saber qual o seu espaço e o do outro. Isso vai muito além do uso de droga, é educação.

Meu nome é Marcella, tenho 28 anos e sou viciada em chocolate. Sofro de dependência psíquica ao chocolate e já tive crises leves de abstinência. Quando como em demasia, a hiperglicemia me faz ter onda também, fico lerda e rio mais que hiena feliz. Nunca roubei para conseguir meu chocolate. Nunca prejudiquei ninguém sob efeito dele e o mau que ele causa, é só a mim. Devo ser presa também? A diferença entre o chocolate e a maconha não seria apenas a lei que envolve os dois?

Ainda existe a diferença entre drogas que causam letargia e as que aceleram. A maconha é das primeiras. Se o cara está letárgico, como ele vai roubar alguma coisa? Ele está muito mais preocupado em curtir a hipersensibilidade do seu corpo do que em gastar adrenalina fazendo besteira por ai. Tive a oportunidade de visitar Amsterdam, onde a maconha é liberada, e não vi problema nenhum com relação à isso.



Venda de semente de maconha no Mercado das Flores de Amsterdam



Museu da Maconha em Amsterdam



No caso específico da matéria ainda tem o agravante que o rapaz é rastafari. Isso poderia, então, ser classificado como preconceito religioso. Faz parte da religião dele usar “ganja” como uma forma de abertura espiritual exatamente pela hipersensibilidade que ela causa. Será que vão começar a perseguir o pessoal do Santo Daime também? Durante a incorporação, o médium também está “fora de si”, assim como os Dervish na Turquia e o jejum em todas as religiões também é uma forma de elevar a mente. O estado não deveria ser laico?



O transe dos Dervish em Istambul


E a cadeia? A sociedade alternativa dos excluídos sociais. O galpão de armazenamento humano. Não deveria ser um lugar de reabilitação? O modelo de prisão falhou. Não atende mais as necessidades da nossa sociedade. Se a proposta é só manter longe as pessoas que não se enquadram, por que não instituir a pena de morte? E o preconceito contra o cárcere, será que ele é realmente culpado do seu crime ou é só mais um “laranja”? Se esse é o caso, será que este prisioneiro não sairá de lá “pior” do que entrou? O caso do músico é muito atípico. Quando vejo qualquer forma de julgamento, lembro de "O Alienista", do Machado de Assis. No livro, um médico tem o poder de decidir quem será alienado ou não da cidade. O fim é supreendente e o livro, mais do que indicado! E para os loucos que quiserem entrar nesse mundo sem volta, o Foucault é leitura obrigatória. Começar pela "História da Loucura" facilita tudo.

Claro que estou apresentando só algumas questões. São só algumas provocações para pensarmos “fora da caixinha”, como se diz aqui no trabalho. Não estou fazendo apologia à drogas ou dizendo que devem ser usadas. Só acho que se um indivívuo não está associado ao tráfico, ou seja, quer fazer uso da erva que ele planta, por que é um crime? Isso tudo é digno de muita conversa, muita controvérsia e muitos chopps para acompanhar o raciocínio ou a falta dele.

*Rei, muito obrigada pela rica fonte de questionamentos que compatilhou comigo =)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Eco


Oi... oi... oi...!
Tem alguém ai... ai... ai...?
Ninguém se pronuncia. Ninguém se comunica. Ninguém opina.
Sou um ser social. Só estou aqui porque o meio me percebe, preciso de interação para existir.
Se continuar falando sozinha vou mergulhar cada vez mais fundo no processo esquizofrênico do meu próprio mundinho.
O diálogo é o adubo. Me ajudem a crescer.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Esporte e Atitude Social


Agora serei necessariamente redundante, pois muito foi dito sobre futebol e copa do mundo. A mídia lavou a alma com notícias descompromissadas e ofensas incabíveis. O povo experimentou mais um pouco da política do pão e circo e lamentou que o circo tenha ficado sem a atração principal.
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Marx disse que “a religião é o ópio do povo” e como na equação matemática do país do futebol este é igual à religião, logo virou “o futebol é o ópio do povo”. Não gosto dessa afirmação. Me parece mais uma forma de manipulação da capacidade de raciocínio humano. Apesar do denominador comum de que ambos não devem ser discutidos, as semelhanças param por ai.

Por quase toda a história da humanidade a crença foi usada como forma de controle social. As cruzadas existiram em nome de terras para o Senhor, a inquisição exorcizava demônios de camponesas e, logo após, de qualquer um que se atrevesse a pensar livremente, as atrocidades do holocausto quase dizimaram os judeus, os ciganos tiveram que migrar para fugir de perseguições... O que não se aprende é que basicamente todas estas perseguições aconteceram em nome de apenas uma divindade: O Poder.

Nas cruzadas, a associação entre clérigos e monarcas por poder, fazia com que a igreja pregasse que o rei era o representante direto de Deus, ou seja, vá à guerra e consiga terras para expandir o poder do seu rei. O livro “Textos da Fogueira” interpreta a caça às bruxas como uma forma de manter a influência patriarcal numa sociedade onde os homens foram mortos nas guerras. Essa análise alternativa da inquisição parece bastante consistente. Como era economicamente viável torturar e assassinar milhares de pessoas por uma causa “divina”, a prática foi estendida aos homens e qualquer pessoa que fosse contra os interesses da classe dominante. Em linhas gerais, os judeus foram perseguidos por participar da burguesia em plena depressão econômica alemã. Os ciganos ocupavam terras que continham riquezas.

Não creio que o futebol seja usado com esse fim. Sim, até já foi! Durante a ditadura mesmo o ele foi usado como um artifício para divulgar amplificadamente o que os favoráveis chamaram “milagre brasileiro”, mas, atualmente, creio que ele seja uma diversão para grande parte da nação. É uma forma de aliviar a tensão – ou realidade social, como preferirem. Não nego os excessos de alguns torcedores, falo considerando a maioria. Saber que uma criança pobre pode chegar a ser alguém é reconfortante no nosso contexto e é essa esperança que o povo precisa. Caso haja dúvida sobre o efeito do esporte na sociedade, o filme "Invictus" mostra questões muito interessantes à respeito do assunto.


Um país pensante consegue absorver mais de uma informação por vez. Talvez ainda não seja esse o nosso caso, mas a copa do mundo é um evento importante sim e deve ter atenção sim. Peço apenas que não guardem as camisas da seleção canarinho. O Brasil foi desclassificado no campeonato, mas está crescendo na política. Já lamentamos o fato e agora guardemos nossas energias, bandeiras e camisas para as eleições de outubro. Vamos dançar a haka* para afastar o passado de subdesenvolvimento e olho vivo!




Invictus
Autor: William E Henley
Tradutor: André C S Masini

Do fundo desta noite que persiste

A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Copyright © André C S Masini, 2000
Todos os direitos reservados.
Tradução publicada originalmenteno livro "Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa"

* Haka é um tipo de dança aborígene usada pelos All Blacks, time de rugby neozelandês, para intimidar seus adversários antes de partidas importantes.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Memórias da Zona Oeste

O Camping, o sítio e o clube em Vargem Grande


É interessante perceber como paisagens, aromas e outras coisas podem nos levar no tempo até situações remotas. O cheio de mato, por exemplo, me lembra a adolescência. Boa fase! Começou com as longas e prazerosas férias em Vargem Grande, depois se urbanizou e a sensação que tenho muitas vezes é que se estende até hoje através dos amigos conservados.

As aventuras em Vargem Grande eram as melhores! Andar de bicicleta na lama, subir até a piscina do sítio pela cachoeira, conversar no galpão até tarde, jogar sinuca, volei, tomar banho na ducha, colher goiaba, ir à praia com os primos... tudo era ótimo! As melhores situações insistem na minha fraca memória.

Uma delas era sair todo mundo junto de bicicleta pela estrada de terra batida até chegar à pista de MotoCross, passar por toda aquela lama e continuar até o templo budista que tinha um grande jardim de coqueiros enfileirados, cortado por um riacho com pontes vermelhas e lírios amarelos na margem. Parecia delírio onírico. Ficávamos deitados na grama buscando coragem para entrar no templo que nunca entrei. Culpa dos contos assustadores que rondavam o local. Na volta, uma mega bronca pelas horas desaparecidos e o banho coletivo com bicicleta e tudo para tirar a lama na ducha. Também terminou assim o episódio da guerra de lama com todos os primos. Memória mais remota, mas que se faz presente.


Os coqueiros do templo e a pista de motocross respectivamente

Outra, foi a vez que, ao contrário das orientações da minha mãe, fomos para a estrada que passavam carros. Como toda desobediência tem seu preço, o meu foi ficar sem freio entre um carro e uma vala. Substituir a ausência com o pé e fui salva de mergulho no esgoto e um atropelamento por algumas dezenas de centímetros. O óculos não perdoou, deixou uma cicatriz no supercílio que ainda carrego. O dono da venda não sabia se me ajudava ou ficava com medo da bronca que meu pai daria ao saber do acontecido. Na volta, a procissão carregando as bikes e os amigos lamentavam imputando a culpa em si. Não permiti, meus pais haviam ensinado sobre responsabilidade e que não deveria ouvir nada senão a voz da consciência de um adolescente: a mãe.

Com o tempo, passei a acampar sozinha. A viagem de ônibus até lá sem linha amarela já era uma aventura. Me acompanhavam um walkman, fitas k7 gravadas de rádio rebobinadas à caneta Bic e uma pequena mochila. Acabava que todos iam para minha barraca. Ficávamos bebendo e falando besteiras a noite inteira. Talvez o início da vida na chacota. Dessas pequenas alegrias me resta o Bruno como uma grande amizade.

Mudar de escola e fazer novos amigos urbanizou mais a vida social. Conheci meus meninos, os mesmos de hoje. A maioria deles tinha banda e organizávamos festinhas para que eles tivessem onde se apresentar. Chegamos a ganhar algum dinheiro com isso. Depois das noites grunges no Black Night, o MHS era o lugar que eu mais gostava que eles tocassem. Era uma casa antiga no interior de Jacarepaguá, lá pela Taquara, eu acho. Era tão longe que dizíamos que a viagem durava três dias a cavalo do próximo feudo. Tinha uma piscina na frente usada como pista de skate e o quintal gramado enorme com um palco no meio e um bar na varanda. Me sentia bem lá. O dia memorável foi quando uma das bandas de amigos conseguiu colocar fogo no amplificador.

As festas no casarão da Praça Seca também eram ótimas! A falta de luz provocava um “climão” no lugar com as velas que ficavam espalhadas. Uma gambiarra com extensão ligava os instrumentos musicais. Os cômodos tinham buracos nas paredes pichadas usados como passagem. A melhor definição é “festa estranha com gente esquisita” e eu era uma delas, feliz!

Talvez seja importante vivenciar situações díspares para conhecer a tolerância. Minha irmã diz que meus pais foram mais permissivos comigo, mas não é verdade. Não fiz um terço do que queria e se tivesse feito, talvez não tivesse sido bom para mim. Eles faziam cortes cirúrgicos entre o permitir e o negar. Vejo a angústia de algumas amigas com a dificuldade de educar seus filhos e não sei como será na minha vez. Acho que vou querer ir junto para curtir também, como convido meus pais à participar.

Toda essa diversidade gerou uma dúvida. Cresci no mato, na praia e na cidade. Todos parecem apetitosos e não sei qual destino escolher.