quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Ônibus



Confesso que minhas viagens diárias em transportes públicos foram a força propulsora dessa atitude desesperada de compartilhar sentimentos ou de colocá-los pra fora: criar um blog.

Não sou uma fã de regras, quem me conhece sabe que as questiono bastante (assim como a tudo o mais), mas estou convicta de que, como seres sociais, devemos considerar a posição do outro na mesma intensidade das nossas. A liberdade não deve ser tratada de forma diferente.

A melhor forma de avaliar se um ser humano está apto a viver em sociedade é condená-lo a usar transportes públicos. Lá ele aprenderá sobre matemática, física, economia, cultura, política...

Você precisa da matemática para cálculos simples, como somar moedinhas de R$0.10, ou os mais elaborados, como aquele aviso de que só serão dados trocos de até 20 vezes o valor da passagem. Para quem gosta de um desafio a mais, calcular o tempo do trajeto é coisa pra especialista. É necessário identificar o tempo da viagem considerando variáveis como o “cata-corno” e o trânsito. Verificar se é válido pegar aquele Méier-Leblon que passa por dentro de São Cristóvão, mas não chega ao Méier porque o ponto final é no Engenho Novo ou o trem até a Central, o metrô até Ipanema e a integração até o Leblon. A última tendência no trânsito é calcular o trajeto evitando inundações.

Com a física a relação é diferente. Os administradores dos transportes públicos estão fazendo experimentos diários para refutar a lei onde dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Esses estudos estão associados a outros em Economia que pretendem mostrar que transporte precário + (gente – dignidade) = lucro. Isso sem citar o Metrô. É necessário pegar fôlego para o Metrô.

Culturalmente é bastante rico! Você aprende como pessoas tão diferentes podem viver numa mesma cidade e enriquecer esse cenário. É uma pena que as lições de cidadania sejam desperdiçadas. Apesar de algumas linhas terem quase todos seus assentos reservados para grávidas, idosos e deficientes (p.ex. 456), eles continuam em pé. Há aqueles que prezam tanto a janela que usam estes lugares mesmo tendo outros livres e fingem estar dormindo quando os que têm preferência chegam. Os mais caras-de-pau simplesmente ignoram suas presenças mesmo. De certa forma, eu até entendo algumas pessoas que preferem estes lugares a dividir assento com aqueles sujeitos que sentam arreganhados (talvez tentando compensar alguma coisa com o ângulo de abertura da perna). Sentar só com “uma polpinha” é tão ou mais desconfortável que ficar em pé. Que, pelo menos, possamos entender o sentido da palavra preferência. E a música? Ah, a música! Pensei que os celulares com caixa de som embutidas eram bênçãos da tecnologia. Lêdo engano!!! A placa de proibido uso de rádio é apenas um adoro para o ônibus ficar mais coloridinho.

Ter que lidar com o equilíbrio do seu corpo sacolejando com os buracos, embreagens mau usadas, velocidade excessiva e suspensões caóticas é um grande desafio. Pra quê Pilates? Ouvir que isso e pra “acomodar” os passageiros é tão surreal quanto o motorista se achar piloto. Nesse ponto, especial atenção para os “pilotos kamikazes” do 638!

No fim desta aventura que, por menor que seja a distância entre o seu ponto de partida e o de chegada, leva pelo menos uma hora, você tem três opções: 1. adquirir um censo crítico aguçado; 2. enlouquecer; 3. atingir o nirvana pela capacidade de abstração absurda que você desenvolveu. Qual é a sua opção?